Doença é a perda de um estado de funcionamento harmonioso; é a perturbação do equilíbrio (ausência de homeostase) organísmica. Ao se compreender isso, percebe-se posteriormente que a doença é caminho para o equilíbrio, para a saúde da alma. A doença ocorre inicialmente na alma, no seu nível profundo, no ego (centro da consciência). Só posteriormente o desequilíbrio manifesta-se no corpo como busca pelo reequilíbrio.
Em termos simbólicos, os sintomas são como uma sineta da alma alertando que algo está fora do funcionamento natural e necessário; são o comunicado sobre um desajuste e a reivindicação para se reparar o desequilíbrio. Para os espiritualistas, a doença é um canal de drenagem de desequilíbrios causados por transgressões às Leis Universais, gravadas na dimensão profunda do Ser e que transcendem a vida corpórea, podendo estender-se por mais de uma encarnação, posto que o desequilíbrio fica instalado no Perispírito (corpo imortal do Ser). Essa visão também contempla o olhar metafísico e singular sobre a doença.
Ora, se a alteração do equilíbrio ocorre no nível da consciência, na dimensão subjetiva do sujeito, e o que se enxerga no corpo são apenas os sintomas, os sinais da alteração, por ser o corpo apenas o veículo de manifestação dos processos ocorridos na consciência, a cura da doença deve ser realizada também no ponto de origem da manifestação, na ferida da alma.
Numa analogia grosseira, o ataque cardíaco de um ente querido em meio a uma praça pública é o desequilíbrio na ordem visível do cotidiano; o médico que comunica à família o falecimento do paciente é equivalente ao sintoma, o mensageiro da má notícia. De que valeria agredir o comunicante do fato desagradável? Outro mensageiro, na sequência, teria que ser enviado para comunicar o ocorrido até que a notícia seja ouvida. Assim, querer resolver a doença atacando só o sintoma é uma incongruência primitiva.
Isso lhe parece novo ou metafísico demais? Metafísico sim; novo, não. Corresponde ao fundamento filosófico do funcionamento integral do Ser, algo se que perdeu nas veredas da superespecialização das práticas da medicina cientificista do mundo ocidental, mas que vem orientando há milênios as práticas da medicina oriental.
No processo de adoecimento e cura destaca-se a importância das emoções. Estas, estão sempre subjacentes ao modo de pensar e re(agir) do sujeito. Emoções como culpa, raiva e tristeza, entre outras, desencadeiam respostas sentimentais de repercussão às vezes muito impactantes sobre a homeostase orgânica do indivíduo, podendo desencadear desequilíbrios que, somados a outros eventos de ordem e origem similar, podem levar ao adoecimento de uma pessoa. Do mesmo modo, emoções como alegria, esperança, felicidade e êxtase podem desencadear sentimentos e comportamentos capazes de corrigir desequilíbrios, de promoverem a cura. Isso porque os sentimentos são reações ou associações realizadas a partir das emoções; são a expressão subjetiva do estado emocional, tal qual o grito é a reação à topada. Os sentimentos seguem as emoções como o discípulo ao seu mestre. Ou seja: o essencial é a emoção!
Tome-se por exemplo um indivíduo que reiteradamente acolha no âmago de sua alma o sentimento de autopiedade ou autovitimização frente a situações adversas, as quais poderiam também serem vistas, por outro ângulo, como desafiadoras ou motivadoras para conquistas desejadas. Essa pessoa, por um equívoco cognitivo-emocional, gradualmente irá desequilibrar seu funcionamento orgânico, inclusive porque esses sentimentos irão desencadear outras emoções nocivas, como medo, tristeza, raiva, amargura, desprezo pelo outro ou por si mesmo, entre tantas possibilidades de encadeamento afetivo-emocional-comportamental. Com o tempo, essa visão distorcida da realidade e as subsequentes respostas emocionais poderão levar ao desenvolvimento de um câncer, diabetes ou outra doença crônica.
Os sentimentos, desencadeados pelas emoções, são influenciados por experiências pessoais, memórias e crenças. Então, diferentes indivíduos irão vivenciar eventos iguais de forma diversa, embora as emoções subjacentes sejam as mesmas. Atribui-se a Jean Paul Sartre a seguinte reflexão, bem pertinente aqui: “Não importa o que fizeram a você, mas o que você faz com aquilo que lhe fizeram”.
Assim, cada doença é individual, própria de cada sujeito. O processo de cura, de reparação do desequilíbrio, portanto, deve ser também singular. De forma generalizada só se pode reparar o que há de comum na manifestação sintomática, o que é muito pouco.
Depressão endógena, por exemplo, pode ser sintoma de um desequilíbrio profundo na alma. Quase sempre a pessoa deprimida tem uma demanda, consciente ou inconsciente, não atendida, ou um aspecto de si mesma não-reconhecido ou, ainda, pode estar negligenciando uma demanda pessoal muito importante. O estado depressivo é, então, o caminho que a alma encontra para se queixar, para alertar que algo não está sendo percebido, atendido ou vivido pelo indivíduo.
A depressão é vista pela medicina convencional tão somente como doença mental, um sinal de baixa produção de serotonina, noradrenalina ou outros neurotransmisores importantes ao bom humor, considerando apenas a dimensão bioquímica do indivíduo, ou uma desadaptação dele ao meio. Ao prescreverem medicação, sabem os bons médicos que o remédio irá eliminar apenas as respostas sintomáticas, seja pela produção forçada de neutrotransmissores envolvidos no estado de bem-estar e ânimo, seja pela desconexão do sujeito consigo mesmo, uma quase alienação forçada por agentes químicos.
No entanto, mesmo eliminando essas reações (a ponta do iceberg), a pessoa continuará deprimida, ainda que não existam mais os sintomas. A causa do adoecimento da alma deprimida não pode ser tratada com medicação porque a substância química apenas atinge a manifestação visível do desequilíbrio profundo, apenas atinge o corpo físico ou o corpo biológico. A ferida da alma só o próprio sujeito pode alcançar; e tratar.
Para a reparação do desequilíbrio, parcial ou plena, entra a necessidade inegável de o sujeito buscar o autoconhecimento. E a elaboração ou eliminação individual de tudo que estiver funcionando como causa de desequilíbrio no funcionamento organísmico biopsicoemocional. Será necessário limpar a casa, retirar todo lixo e redecorar o ambiente interno. Ingerir antidepressivos é recorrer a estratégia de esquiva, de adiamento de um trabalho que necessariamente terá que ser feito, cedo ou tarde. Admite-se a necessidade de antidepressivos numa crise forte; mas como paliativo ou forma de o sujeito sair da crise. Não se pode alimentar o equívoco de aceitar a prescrição de antidepressivos por muito tempo ou indefinidamente. Sem o processo de autoconhecimento, a depressão jamais irá desistir. Porque a alma continuará reclamando o que for essencial para a Vida do indivíduo.
O “lixo” a ser eliminado pode ser acúmulo de sentimentos equivocados provenientes de culpa não percebida ou não elaborada; ou um aspecto negado da Sombra, como por exemplo, a incapacidade de perdoar um agravo, que fica sendo ressentido, indo e voltando, demandando elevado gasto de energia; como também uma consistente frustração relativa a algo de elevada significância para o sujeito, mas que ele não foi capaz de concretizar, só para citar alguns exemplos de conteúdos inconscientes envolvidos no adoecimento.
De nada adiantará manter recalcado, negado o que existe de fato nem tampouco resolverá o problema maquiar estados psicoemocionais, pintar o viaduto com cal branca para esconder as fissuras da estrutura, que pode desabar a qualquer momento. As doenças crônicas são, na maioria dos casos, resultantes de sucessivas intervenções médicas superficiais ou da decisão equivocada dos pacientes de limitarem-se a tomar remédios, mesmo quando um bom profissional da medicina o aconselha a fazer psicoterapia, dieta e mudar rotinas de vida. O processo de mudança é decisão que compete somente ao indivíduo tomar e disciplinar-se na realização dela.
Com vistas ao enfrentamento da difícil escolha pelo caminho aparentemente mais árduo cumpre uma reflexão: quem lucra com as práticas médicas voltadas para o manejo dos sintomas e não buscando-se a cura das doenças e sim a manutenção delas? Quem ganha com a existência de doenças crônicas, muitas vezes agravadas por efeitos colaterais de remédios fortes, mas que mantêm “vivo” o sujeito doente consumindo remédios? A quem interessa reforçar a indolência frente aos desafios do autoconhecimento, não raro com o recurso de medicações que prometem eliminar o sofrer, como se não fosse o sofrimento algo inerente à existência humana? Quem se beneficia da alienação do sujeito em relação aos seu Si-Mesmo e aos verdadeiros propósitos da Vida? A resposta não é segredo.
Referências
DOSSEY, L. (2004). A Cura Além do Corpo. Cultrix: São Paulo.
CALDEIRA, G. e MARTINS, J.D. (2001). Psicossomática – Teoria e Prática, 2ª ed. Medsi: Rio de Janeiro.
FILHO, Julio de Melo e Col. (1992). Psicosssomática Hoje. Artned: Porto Alegre.
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