A seguir, mais referências históricas sobre a formação da política e talvez da dinâmica psicológica do brasileiro (do ponto de vista macro), também extraídas do livro “1808”, citado no post anterior:
“A corte portuguesa no Brasil era entre 10 e 15 vezes mais gorda do que a máquina burocrática americana nessa época (1808). E todos dependiam do erário real ou esperavam do príncipe regente algum benefício em troca do ‘sacrifício’ da viagem. ‘Um enxame de aventureiros, necessitados e sem princípios, acompanhou a família real’, notou o historiador John Armitage. No Rio de Janeiro, a corte portuguesa estava organizada em seis grandes setores administrativos – chamados de repartições. Os responsáveis por essas repartições passariam para a história como símbolos de maracutaia e enriquecimento ilícito” (pág.76).
Outro trecho revelador do livro, que nos soa tão atual e não surpreende a quem conhece as “alianças” nefastas entre veículos de comunicação e representantes do poder:
“Para fugir à censura, o Correio Braziliense, primeiro jornal brasileiro, era publicado em Londres. Seu fundador, o jornalista Hipólito José da Costa, nasceu no Rio Grande do Sul e deixou o Brasil quando tinha dezesseis anos. Formou-se em Coimbra e morou dois anos nos Estados Unidos. Voltou para Lisboa e foi preso em 1803 por integrar a maçonaria. Processado pela Inquisição, fugiu para a Inglaterra em 1805 onde criou o Correio três anos mais tarde. “Hipólito era um Englêsh que escreveu o historiador americano Roderick J Barman, referindo-se aos liberais que no Parlamento britânico defendiam os direitos individuais e a limitação dos poderes do rei. ‘Acreditava numa constituição equilibrada e justa, num Congresso forte, em liberdade de imprensa e religião, no respeito pelos direitos individuais.’ O mesmo Hipólito que defendia a liberdade de expressão e idéias liberais acabaria, porém, inaugurando o sistema de relações promíscuas entre imprensa e governo no Brasil. Por um acordo secreto, Dom João começou a subsidiar Hipólito na Inglaterra e a garantir a compra de um determinado numero de exemplares do Correio Braziliense, com o objetivo de prevenir qualquer radicalização nas opiniões expressas no jornal. Segundo o historiador Barman, por esse acordo, negociado pelo embaixador português em Londres, Dom Domingos de Sousa Coutinho, a partir de 1812 Hipólito passou a receber uma pensão anual em troca de críticas mais amenas ao governo deDom João, que era um leitor assíduo dos artigos e editoriais da publicação. ‘O público nunca tomou conhecimento desse acordo’, afirma o historiador. De qualquer modo, Hipólito mostrava-se simpático à Coroa portuguesa antes mesmo de negociar o subsídio. ‘Ele sempre tratou Dom João com profundo respeito, nunca questionando sua beneficência’, registrou Barman. O Correio Braziliense, que não apoiou a Independência brasileira, deixou de circular em dezembro de 1822. Hipólito foi nomeado pelo imperador Pedro I agente diplomático do Brasil em Londres, cargo que envolvia o pagamento de uma nova pensão pelos cofres públicos” (pág. 53).
Ainda hoje o jornal Correio Braziliense, do DF, recorre a essa, digamos assim, estratégia econômica, e manipula notícias quando lhe interessa não afetar os interesses do governo local. Não é diferente com a revista Veja e a Rede Globo – quem não se lembra do episódio da bolinha de papel na careca do Serra, durante a campanha eleitoral, um espetáculo de manipulação por parte da Globo, maculando ainda mais a já enlameada imagem do Jornal Nacional. Não cito os demais veículos, mas nem por isso eles são isentos dessas práticas indecentes em nome do jornalismo. De acordo com Fernando Morais, autor do livro-reportagem Chatô, o rei do Brasil, o criador do grupo Diários Associados, do qual faz parte o Correio Braziliense, maior jornal impresso da Capital, Assis Chateaubriand, recorreu a chantagens e artifícios condenáveis ao longo da construção do grupo e no exercício do que ele considerava “jornalismo”. Na verdade, o que ele fazia e muitos veículos praticam atualmente é corrupção. O que os dois jornais têm em comum? Apenas o nome, do qual Chateubriand se apropriou, em 1960, quando inaugurou o seu, já que o de Hipólito havia saído de circulação em 1823, tendo existido por 15 anos: de 1808 a 1823.
Esses são os antecedentes psicológicos, sociais e políticos da nossa gente. Essa é a herança moral que o Brasil herdou de Portugal. São as raízes que explicam muito do comportamento dos brasileiros. A construção de uma nova realidade, de uma nova cultura é exercício contínuo e demorado, mas há que NÃO se perder as esperanças de um dia sermos um povo decente e de equilibrarmos o desenvolvimento intelectual ao moral e podermos viver em um país justo.
Fonte: GOMES, Laurentino. 1808 – Como Uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.